Fomos ao mirante de Santa Terezinha, apreciar as luzes da cidade; não fizemos promessas; não sabíamos, mas já estávamos prometidos um para o outro
26 de Junho de 2022, 10:57
Lúcio Verçoza é sociólogo, professor e autor do livro 'Os Homens-cangurus dos Canaviais alagoanos'
Uma vez um velho, sentado numa banca do mercado de frutas, pediu-me: — Leia a minha mão. Respondi que não. — Leia, por favor. O velho insistiu. Falei que não era cigano, apesar das minhas pulseiras. O velho então disse para eu apenas olhar para a mão dele. Finalmente olhei. E vi o que estava escrito. Ele pediu para eu não contar a ninguém. E eu não contaria. Se anos depois eu não conhecesse Luzia, eu não contaria. Mas, com Luzia, não consegui guardar segredo. Ela era uma das pessoas que aparecia na mão do velho, como uma miração.
No dia em que conheci Luzia, fazia três meses que eu estava separado de Carolina. Vivia ainda o resguardo da separação. Até que, de modo completamente inesperado, Luzia entrou na minha vida. Chegou sem pedir licença. Quando vi, estava com ela no banco da praça, aos beijos. Fomos ao mirante de Santa Terezinha, apreciar as luzes da cidade. Não fizemos promessas. Não sabíamos, mas já estávamos prometidos um para o outro. Seu jeito irresponsavelmente espontâneo, os olhos cor de mel no sol do fim de tarde, a fome de se sentir viva. Tudo isso me levava a querer Luzia. Logo eu, um sujeito previsível e contido. Logo eu, tinha Luzia em meus braços. Luzia metia medo nos homens, mas não meteu medo em mim.
Naquela altura, não associei Luzia às imagens que vi na mão do velho. Não percebi que ela era a mulher da miração. Apenas vivia os dias e noites com Luzia como se não houvesse ontem e nem amanhã. Ela me falava das coisas da vida e da morte. Eu lhe falava de minhas assombrações. Ela fazia eu me sentir forte. Eu lhe ensinava o que era paixão. E nos apaixonamos perdidamente. Dessas paixões de arrombar a porta e depois gargalhar. Dessas paixões de tomar sorvete e dividir a mesma casquinha. Dessas paixões de colorir o mundo sem usar cogumelos.
Até que um dia, o dia em Luzia parecia pequeno. Até que um dia, em mim o dia também parecia pequeno. E fomos cada um para o seu lado. E ninguém mais sabia qual era o seu próprio lado. Então, rodamos sem rumo, como bola branca numa mesa de bilhar com maus jogadores, como pitomba na boca de banguelo: de um lado para outro, de um lado para outro — sem saber para onde se está indo.
Foi quando me lembrei, detalhadamente, da visão que tive ao olhar para a mão do velho no mercado, e o vazio se desfez. Liguei para Luzia. Nos encontramos debaixo das árvores do mirante, pois ela não gosta de praia. E contei o segredo lido na mão do velho. Ela me escutou atentamente, como há muito tempo não me escutava. Depois, com os olhos cheios d’água, sentou no meu colo e nos abraçamos. Seu rosto, de emoção à flor da pele, era exatamente o mesmo que eu havia visto na mão dos velho. Exatamente a mesma expressão. Então choramos juntos e sorrimos juntos. Não olhávamos mais para as luzes da cidade. Olhávamos apenas um para o outro, e a cidade era somente um belo cenário que nos olhava.