Ele quer andar pela cidade para registrar o que se acaba diante de nossos olhos e não percebemos; para fazer com que aquilo que se acaba continue existindo — ainda que em preto e branco
15 de Maio de 2022, 11:18
Lúcio Verçoza é sociólogo, professor e autor do livro 'Os Homens-cangurus dos Canaviais alagoanos'
— Não gosto de poesia com pompa de poesia.
Ele disse. Depois pegou a máquina fotográfica e buscou a poesia das pessoas e das coisas, sem dizer que estava fazendo isso. Simplesmente fazia, com o gesto mais natural, como o de piscar os olhos.
Ele não queria apenas poesia; ele queria as histórias. Uma luz guardada pelo guardanapo semi usado. O fiapo de cabelo despenteado que segue no contrafluxo. A criança tímida que esconde o que não seria compreendido pelos adultos. O sol sangrando rosa nas brechas das nuvens de um fim de tarde de calor.
Ele quer andar pela cidade para registrar o que se acaba diante de nossos olhos e não percebemos. Para fazer com que aquilo que se acaba continue existindo — ainda que em preto e branco. Eu ando com ele pela cidade, em fotos, em takes, eu saio da cidade e converso com as pessoas do interior. Eu vejo o interior da minha cidade. Nos tipos que caminham na feira, nos tipos que festejam a feira. Nos bonecos guardados em caixa de madeira. Nos porta-retratos antigos pendurados em paredes de pouco reboco. Nas máscaras esquisitas e bonitas, bonitas justamente por serem esquisitas — artesanalmente esquisitas.
Uma placa. Um letreiro. Uma pintura na porta de um banheiro. Onde vemos um guardanapo usado, ele olha um retrato. E quando olhamos a fotografia dele revelada, enxergamos o que não víamos no simples guardanapo. Assim como a cidade que se move, e não notamos. Assim como as incontáveis pessoas que fazem a cidade, que usam o banheiro e que deixam marcas dos seus lábios no guardanapo. A fotografia do Celso Brandão interrompe o fluxo — no sentido de impedir que o guardanapo vá para o lixo sem ser notado. Ela capta o mistério do que somos para nós mesmos. Sua arte não resolve o mistério, simplesmente o traduz com imagens. E sua fotografia é uma força do mesmo mistério fotografado. Por ser assim, também é misteriosa. Por ser assim, é sem pose de fotografia.