Com prefácio de Dilma Rousseff, obra apresenta memórias de Ana Maria Ramos Estevão, militante estudantil que sobreviveu às torturas e ao exílio impostos por um dos períodos mais sombrios da história do Brasil
27 de Janeiro de 2022, 11:41
Caroline Arnold/ Enxame de Comunicação
“Você se lembra das histórias das princesas que ficam presas nas torres? Eu fiquei presa numa torre, eu e outras mulheres. Justo quando acabávamos de sair da adolescência e deixávamos de acreditar em histórias de princesas em torres, fomos presas em uma. Mas aquela não era a torre de um castelo de mentirinha; era a torre de um presídio real. Estive presa lá durante longos e intensos nove meses. O tempo de uma gestação inteira. Nove meses que mudaram os rumos da minha vida”. Ana Maria Ramos Estevão, "Torre das Guerreiras e outras Memórias".
Em 1970, o Presídio Tiradentes, em São Paulo, possuía uma ala conhecida como Torre das Donzelas, na qual ficavam encarceradas apenas mulheres militantes. Mas, em “Torre das Guerreiras e outras Memórias”, relato publicado pela Editora 106 em colaboração com a Fundação Rosa Luxemburgo, e escrito por Ana Maria Ramos Estevão, estudante de Serviço Social envolvida com o movimento estudantil e a organização Ação Libertadora Nacional (ALN), o prédio alto ganha outra conotação. Subvertendo a ideia de fragilidade contida na palavra “donzela”, a autora e suas companheiras de cela renomearam o local como Torre das Guerreiras.
Capturada pelos órgãos de repressão da ditadura brasileira, Ana foi torturada e interrogada por sua trajetória como militante. Em sua saga, conheceu tanto os agentes do regime, como o delegado Sérgio Paranhos Fleury e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, quanto figuras que fizeram história na resistência, como Paulo Freire, que se tornaria referência mundial em educação, e Dilma Rousseff, que assina o prefácio do livro. Segundo a ex-presidenta, ainda que tenha sofrido torturas, violência e perdas, Ana é de um “lirismo improvável”.
Misturando memória a belas ilustrações, fotografias pessoais, documentos da repressão e imagens de jornais da época, a autora destaca e valoriza episódios de que só a grandeza humana é capaz, como quando todas as militantes ficavam em silêncio para Tânia, uma das prisioneiras, cantar perto de uma pequena janela para ser ouvida por seu companheiro, Gabriel, que, com câncer, estava preso no mesmo local, em uma cela distante.
Ana Maria também observa o papel dos fascistas voluntários, que, mesmo sendo civis, participaram das sessões de sevícias, oferecendo apoio aos torturadores fardados, enquanto riam cinicamente do sofrimento e da esperança daqueles que tiveram a coragem de sonhar com outro país e lutaram por ele.
“Torre das Guerreiras e outras Memórias” é uma obra para que as atuais gerações jamais permitam que tragédias como a da ditadura se repitam.
“A torre foi demolida, mas não desapareceu com o simples desempilhamento de pedras. Ainda hoje, muitos anos depois, a torre que ninguém habita continua habitando em mim.” Ana Maria Ramos Estevão, "Torre das Guerreiras e outras memórias".